segunda-feira, 25 de outubro de 2010

De volta a Praga com uma praga falante

Como não fazia tanto frio tinha certeza que a viagem não seria tão sofrida quanto a ida para Łódź. Seria meio complicado mais dezoito horas dentro de um trem novamente. Eu já não teria a mesma paciência para agüentar tamanho sofrimento. Aquela viagem PRECISAVA mais do que tudo ser rápida e tranqüila, pois a meta era chegar a Praga antes do jantar.  Também não achava que seria legal chegar tarde a casa dos Hakkinen. Eu tinha as chaves e tudo mais, mas acho que seria bem rude chegar e não falar com ninguém.

Enquanto o trem seguia para Katowice e eu rezava para que nenhuma pausa acontecesse, eu notei o quão cheio o comboio estava. Só em minha cabine havia quatro pessoas. Talvez por ser manhã estava tão cheio assim, não sei dizer. Só sei que me sentia mais seguro. Havia me prometido que trens noturnos nunca mais, e assim pretendia que fosse.

A viagem foi linda no primeiro trecho. Consegui curtir as paisagens sem a frustração de ficar “estacionado em canto algum”. Em cerca de três horas e meia eu estava na estação de Mordor, ou melhor, Katowice.
Aquele lugar era assombroso não importava a hora do dia. Como já sabia todo o esquema da estação, parei e olhei o quadro de horários. Teria que esperar uma hora e meia pelo meu trem. O frio dentro do saguão era imenso e o vento que corria só fazia piorar. Os pombos dando vôos rasantes sobre as cabeças eram coisa de louco, ao menos não cagaram em mim.

Priceless Girl havia preparado uns sanduiches para a minha viagem. Foi ótimo, pois não precisei comprar comida. Segui para a cafeteria para passar o tempo. Um cafezinho para esquentar o peito e só. Ainda tinha cerca de quarenta e cinco minutos naquele inferno gelado. Como a cafeteria era bem pequena, não dava para eu ficar lá com uma xícara apenas ocupando lugar onde outras pessoas poderiam sentar. Saí e fui para o mesmo banco que fiquei esperando na primeira vez, em frente ao guichê de informações. O frio estava de lascar, fazia cerca de -16 graus.

Comi um chocolate e peguei a bíblia para ler. A reza para não ficar no meio do caminho precisa ser forte. Vi um rapaz com cara de estrangeiro próximo a mim. Ele andava de um lado para outro sem parar.
- Cara estranho. – pensei. – Não tem cara de polaco, ou de ser por essas bandas, é melhor deixar quieto, não quero confusão pro meu lado dessa vez.

Era hora de seguir para o trem. Peguei meus bagulhos e fui para a plataforma. O trem já estava lá esperando para zarpar. Entrei, procurei uma cabine vazia como de costume e me acomodei. O trem estava bem aquecido, não tinha do que reclamar. Sentei-me coloquei o chIpod no ouvido e esperei que partíssemos.
Em poucos instantes o cara maluco que andava de um lado para outro chegou a porta da minha cabine, abriu e perguntou em inglês se podia sentar-se lá também. Como não sou dono de nada liberei a entrada do infeliz. Ele tirou quase trinta quilos de capote do corpo e sentou-se. Respirava ofegante, e tinha um motivo. Assim que ele entrou na cabine, o trem partiu.

- Ainda bem que consegui chegar. – resmungou em português.

- Ou, você fala português cara? – perguntei entusiasmado.

- Pow! Falo sim, você é de onde?

- Sou de Salvador. E você?

- São Paulo. Você mora aqui na Polônia?

- Não, estou só de passagem. Estou voltando a Praga.

- Ah! Então já conhece Praga? Vale a pena mesmo a cidade? Também estou indo para lá.

Ai começou o bate papo de uma pessoa só. Ele começou a contar a viagem dele pelos cantos que havia passado. Berlin, Amsterdã, Estocolmo, Oslo... e estava saindo de Krakow para ir a Praga. A coisa andava até bem, o negócio é que o cara não parava de falar um minuto sequer. Era um monólogo daqueles bem chatos. O cara estava emocionado por estar passando frio. Que droga de emoção é essa? Cara masoquista. Ele simplesmente não parou de falar um segundo, do frio da Suécia, dos lugares que viu em Berlin, que ele amou Berlin, que ele iria voltar a Berlin, que gostou da Holanda, que não viu nada de interessante em Copenhagen... Ah! Eu fico cansado só de lembrar disso.

Então que veio a idéia da tática infalível do chIpod no ouvido. Fui vagarosamente catando o fone de ouvido do chIpod, selecionei uma música bem barulhenta, botei no máximo e coloquei o fone quando ele deu uma brecha no monólogo. Nem assim o cara parou de falar. Para piorar o chIpod morreu. Acabou a droga da bateria. Eu estava condenado a ouvir toda a conversa chata do cara durante a viagem que duraria cerca de seis horas.

Ele falou, falou, falou até que se cansou. Eu já nem dava ouvidos. Foi uma atitude um tanto rude, mas eu já tava de saco cheio daquela conversinha fiada. Após um bom tempo de viagem chegamos a Ostrava.

- Ainda falta muito? – ele me perguntou.

- Por volta de cinco ou seis horas. Quando chegarmos a Konin faltará bem pouco, então fica ligado nas placas. – respondi.

Ele então deve ter percebido que eu não estava com vontade alguma de ouvir e se calou. Seguimos então em silêncio, ou melhor, apenas com o barulho do trem, aproveitei para tirar um cochilo. A viagem era muito longa. Em alguma cidadela após Ostrava o trem encheu. Um monte de gente entrou e se amontoou dentro do vagão. Três garotas abriram a porta da cabine e se sentaram, conversavam em tcheco. O silêncio que eu tanto gostei para cochilar tinha desaparecido.

Uma das meninas então me cumprimentou. Não lembro o nome dela. Era bonitinha e tinha um jeitinho bem meigo. Perguntou de onde eu era e se estava gostando da Rep. Tcheca. Lembro que ela falou que fazia faculdade de história. E que tinha muita vontade de conhecer a fundo a história do Brasil. Conversamos sobre outras coisas mais até que o outro brasileiro se intrometeu. Ninguém entendeu nada. Eram três meninas e elas olharam uma pras outras, comentaram alguma coisa em tcheco e começaram a rir.

- Você é francês? – a que conversava comigo perguntou ao infeliz.

- Não, também sou brasileiro. Todos falam que ao falar inglês eu tenho sotaque de francês.

Haja paciência... O cara cortou o meu papo para falar besteira. Que Mané chato viu. A menina tentava falar comigo e ele cortava o tempo todo. Eu pensei em dar um chute no saco daquele cara para ver se ele calava-se. Só ficou no pensamento. Maldito. Mas isso ainda não foi tudo, como se não bastasse, ele parou para contar para as garotas a mesma história que contou para mim. Anteriormente, só que dessa vez em inglês. Eu pedi a morte. A mesma história de novo? Que saco! Eu amei Berlin, porque Berlin é fantástica, Berlin é perfeita, porque eu vi uma caquinha de cachorro no muro de Berlin.... Putz!

Eu já não agüentava mais aquilo, nem as meninas. Elas meio que deram as costas para o cara, mas mesmo assim ele não parava de falar. Elas ainda deram sorte de saírem antes de Konin, mas eu teria que ficar ali porque agora as outras cabines estavam todas cheias.

Ele perguntou como chegar ao centro da cidade, pois o albergue o qual ficaria se encontrava lá, e como poderia comprar passagens para o transporte público. Expliquei a ele direitinho, foi o tempo suficiente para chegar a Praga e me livrar da praga. Hehe.

Era o fim de uma viagem sem quebra de trem, sem frio (a não ser na estação), sem “russo”, mas com um chato no pé do ouvido que não parava de falar. Estava na hora de seguir para casa dos Hakkinen. Não teria problema com horários já que ainda eram 18h.

BR Na Europa!

3 comentários:

  1. eaí Belino!
    Cara, estou achando fantástica essa tua aventura toda! É algo que eu gostaria de fazer um dia.
    Vi o link pro blog no MDAN e li a história toda...
    Só não entendi uma coisa: se tudo isso aconteceu no início do ano, porquê você está contando só agora?
    Um abraço e tudo de bom!

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  2. @Dimas Cara eu tava sem ter o que fazer... o povo querendo saber o que se passa em minha vida aqui... juntei o útil ao agradável. Por isso só agora. Também tem que ter coisa para contar se não o blog morre né? Abraços

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  3. Putz ... maldito cara chato cortando as conversas com as guriazinhas =P, agora com certeza tu nunca vai esquecer dessa "praga" ashAUhsAUh xD

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