terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Pior Viagem da Minha Vida - Parte 2

Você deve estar achando que sou muito azarado. Nem tanto, após umas três horas parado no mesmo lugar o trem andou. Eu já estava todo encasacado, com toca, luvas duas meias e um meião de futebol. O frio estava de lascar, mas como o trem andou novamente, os aquecedores voltaram a funcionar. Eram doze e meia da noite quando partimos de Konin. O cheiro de cerveja enojava a minha cabine, mas fazer o que? Ao menos agora estava um pouco mais aquecido.

A viagem seguia e o frio também. De repente vejo na porta da cabine um rapaz alto envolto a escuridão olhando para dentro. Não era o velho que checava o bilhete, não era ninguém conhecido, certamente era o famoso “russo” o qual tanto me mandaram tomar cuidado.

Eu tremi, mas não podia mostrar medo. Como eu, ele estava encapuzado e eu não podia ver seu rosto, apenas o queixo branco. Eu estava encolhido no canto tentando me proteger do frio e agora com medo. Ele colocou a mão na maçaneta da porta e fez menção de abri-la. Eu levantei dando um pulo da cadeira segurando uma das garrafas de cerveja. Tirei o capuz e fiz sinal de negativo. De onde surgiu tamanha coragem? O cara tinha o dobro do meu tamanho e parecia ser mais forte. Mas eu fui valente. Olhei para ele, liguei a luz e continuei fazendo sinal de negativo. Eu continuava tremendo, mas coloquei um sorriso macabro 
em meu rosto. O homem, ainda encapuzado, olhou para minha cara e correu para o lado esquerdo.

Uff! Que alívio. Eu estava prestes a me borrar de medo ali dentro. Tranquei a cabine e fechei as cortinas. Não queria passar por isso novamente, era demais para o meu coraçãozinho. Sentei-me e respirei um pouco pensando: “Russo frouxo, medo do negão brutal aqui. Haha.” Mas no fundo, no fundo eu ainda tremia. Não sei se tremia de frio ou de medo, sei apenas que tremia. Após me acalmar um pouco senti os aquecedores pararei de funcionar.

O trem ia parando vagarosamente. Ficamos sem energia de novo, dessa vez no meio de lugar nenhum em plena madrugada. Que arrependimento... Será que cumprir minha palavra valia tanto a pena assim? Será que não dava para voltar a Praga dali de onde estava? Por que eu precisava sofrer tanto? Não era justo. Ainda tinha mais duas cervejas, mas já estava enjoado de tanto beber sozinho naquele frio. Estava tão frio que a cerveja não esquentava.

Meia hora foi o tempo parado nesse lugar. Estava envolto a floresta. Eu olhava pela janela e só via neve cair. O mundo era branco e gelado. Onde diabos eu estava? Nem mesmo da Rep. Tcheca eu tinha saído. Lamentável. O trem voltou a seguir viagem após esse período. Eu havia guardado dois sanduiches do Bob’s que havia comprado para momentos críticos. Esse era um.

Não dava para agüentar. A viagem duraria inicialmente nove horas ao todo. Já se passavam oito horas e eu ainda estava na Rep. Tcheca. Era o fim da picada. Engoli os sanduiches a seco, pois não queria beber mais cerveja e rezei para ao menos chegar logo em Ostrava. O trem voltou a andar. Parecia que a reza tinha dado certo. O “russo” também não tinha aparecido. O trem seguia rapidamente para o seu destino. Finalmente.

O trem chegou a Ostrava por volta das cinco e meia da manhã. O céu ainda estava um breu que era de dar medo. Ao menos tinha parado de nevar. Era a trégua para que a viagem seguisse bem. O homem que checava os bilhetes tentou entrar na minha cabine fedida. Eu abri a porta e ele pediu para que eu mostrasse o bilhete. Mostrei os dois que possuía para a viagem de ida. O para Katowice e o seguinte para Łódź. O homem começou a falar um monte de coisa em sabe-se lá que idioma. Eu não entendia meleca de nada e o cara começou a ficar nervoso comigo.

Eu não sou cabeçudo. Peguei o bilhete e pedi para ele mostrar para onde eu deveria ir apontando para o nome Katowice e para as duas direções do trem balançando os ombros. O infeliz apontou para a esquerda. Se ele tivesse feito isso seria mais rápido. Cara estúpido e ainda falava cuspindo. Daí caiu a ficha. “Opa, para a esquerda foi para onde o ‘russo’ correu, tô frito.” Era muito azar. Quando tudo parecia estar indo bem me acontece isso. Ahh, vai tomar banho!

Peguei minhas coisas e segui para o vagão indicado pelo velho. Encontrei uma cabine livre, sem ninguém. Não tinha o cheiro nojento de cerveja da anterior. Já estava de bom tamanho. Não tinha mais comida comigo e não podia descer do trem para comprar, pois ele poderia partir a qualquer instante e eu ficaria lá com cara de bunda. O jeito era esperar novamente. Foram apenas uma hora e meia de espera. Dava para eu ir, visitar a cidade e voltar durante esse tempo. Mas eu precisava ficar lá acordado como uma coruja, com fome, com sono e com medo do “russo” voltar.

O trem voltou a andar após esse tempo e finalmente saímos de Ostrava. Eu rezava para que o maldito trem não quebrasse novamente. A próxima parada seria somente em Katowice, isso se nada corresse errado. Eu sabia que perderia a conexão, aliás, o trem partiria de Katowice às seis da manhã já eram cinco e meia. Nada de errado ocorreu nesse trecho. Já havia cruzado a fronteira com a Polônia e nada de ruim estava acontecendo. Havia parado de nevar mas o frio estava cada vez pior. O trem aproximava-se de Katowice e eu pude ver algumas cidadelas ao sul da Polônia.

Era de dar medo. Se você assistiu ao filme “O Senhor dos Anéis” eu farei uma breve comparação, as cidadezinhas pareciam com “Mordor”. Cinza, triste e depressiva. Parecia que o país tinha acabado de sair da Segunda Guerra Mundial. Senti até pena do povo, na boa. Como podem viver assim? Nem parecia Europa. Eu fiquei imaginando o meu destino final. Se fosse daquele jeito eu não sabia se suportaria. O trem começava a cortar a cidade de Katowice e a coisa era ainda pior. A cidade era feia e tenebrosa. Ao ver pela janela do trem logo pensei que gostaria de sair de lá o mais rápido possível. Onde diabos tinha me metido?

Quando o trem parou na estação, sai com um sorriso na orelha de tão feliz de ter percorrido mais da metade do caminho. Priceless Girl já estava ciente de que eu não chegaria no horário dito antes. Eu havia enviado um sms pelo celular que a Sra. Hakkinen havia me dado caso me perdesse (excelente pessoa) explicando a situação. Sai da plataforma e segui para o saguão para poder ver onde deveria pegar o próximo trem.

A estação era aterrorizante. Estava caindo aos pedaços. Tão diferente da de Praga onde tudo era organizado e limpo. A minha primeira impressão da Polônia era a pior possível. Aquilo para mim era o purgatório. Cheguei ao saguão e olhei para ver a tabela de horários. Tudo era feito de forma antiga e eu não conseguia entender meleca de nada da tabela. Um monte de nome de cidade espalhado com um monte de números que deveriam ser horas. Era tudo muito ilegível. Resolvi então seguir para o balcão de informação.

A fila de informações estava um pouco grande mais andava rápido. O frio na estação estava de lascar. Não tinha aquecedor. Eu já tinha colocado outra meia e mesmo assim não era o suficiente. A pele parecia que rasgaria. Precisava entrar numa cafeteria e tomar algo para aquecer o corpo ou iria cair de frio ali mesmo, mas primeiro precisava obter informações, pois se o próximo trem já estivesse na plataforma eu o perderia.
Chegava a minha vez para pedir informações e eu já estava preparado para falar inglês. Uma senhora estava no guichê e perguntei em inglês:

- Por favor, eu gostaria de saber a plataforma para a cidade de Lodz.

A mulher olhava para mim com cara de bunda, sem entender nada. Talvez se eu tivesse pronunciado o nome da cidade corretamente ela sacasse o que eu estava perguntando, mas “Lodz” nada significava para ela. Perguntei novamente e nada. Repeti diversas vezes o nome da cidade.

- Lodz! Lodz!

Nada adiantava, falei: “Lodz, piuí!” tentando que ela entendesse o barulho do trem e nada adiantava. A mulher se irritou no guichê e a fila começava a crescer. Havia um senhor que já estava soltando fumaça pelo nariz porque a maldita fila não andava. Mas eu não conseguia me comunicar. Então fiz o mesmo que anteriormente. Peguei a droga da passagem e mostrei para a infeliz. Ela olhou e disse:

- Ahhh! Łódź! Łódź!

- Mas é claro que é trem sua doida. – respondi aleatoriamente.

Como eu disse em um post anterior Łódź, lê-se Údi. E ao falar o nome da cidade corretamente a mulher parecia que fazia o som do “piuí” do trem. Haha. No final eu que era o cabeçudo.

A mulher começou a falar um monte de coisa em polonês. Que idioma estranho. Conseguia soar pior do que tcheco. Eu não entendia nada, a mulher não entendia nada, o velho atrás de mim só faltava me bater e eu já estava irritado com a situação. Pedi pra infeliz mostrar o monitor porque eu já estava de saco cheio.

Finalmente consegui o que queria. Estava tudo no monitor do computador. Plataforma, horário e tudo mais. Agradeci e saí daquele maldito guichê. Era hora de tomar um cafezinho para esquentar o peito, fazia nada menos que -23º negativos...

Continua...
BR Na Europa!

9 comentários:

  1. Nossa já passei por -8 e posso imaginar como seria -23, com certeza nenhuma cerveja dá conta.... tem que apelar para a vodka e ficar a merçê do russo :P.

    Melhor pegar um café mesmo :D

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  2. Belino, você é literalmente um "pé-frio"!!!! rsrsrsrs
    Não podia perder a piada...
    eheheheh

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  3. -23 é tenso ein ! auhsAUSHaUH, mas pelo menos achou o "piuí" certo ? tu devia ta parecendo um boneco de neve de tão cheio de roupa !

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  4. É rapaziada, tava frio mesmo. Eu tava parecendo um picolé. Mas eu sobrevivi para contar a historia...

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  5. Pow, ceva... frio tem que ser vodka no minimo, e pura é claro hehehehe
    E sobre os russo? tem mais? lol

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  6. eu teria levado na bagagem no mínimo duas garrafas de vodka

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  7. me pergunto o que aconteceria com o pequenino serguei nesse frio...
    Se bem que vc não deve tá muito longe dele não, ainda mais com essa sua dieta from hell. se é que vc me entende. hehe

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  8. @nao apesar da vodka polaca ser boa, eu não sou muito chegado não. Prefiro cerveja mesmo.

    @João Vinicius rpaz, o serguei iria ter um dilema, carregar 10kg de casaco nas costas ou morrer de frio. Eu não tô tão magrelo não. Ganhei 10kg aqui o.O

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  9. @Diego chega de russo em minha vida... uehueheu O próx. pepino será com brasileiro ¬¬

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